No âmbito do programa "Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa", promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
A deficiência intelectual resulta de alterações no neurodesenvolvimento e caracteriza-se por uma função intelectual comprometida, bem como por alterações na comunicação e nas capacidades sociais. Existem em Portugal várias instituições que desenvolvem a sua ação no âmbito da habilitação e integração da pessoa com deficiência intelectual, grande parte delas associadas à HUMANITAS – Federação Portuguesa para a Deficiência Mental.
Este distúrbio do neurodesenvolvimento pode ter várias
causas, entre as quais genéticas e/ou ambientais, sendo pouco conhecidos os
mecanismos biológicos que originam as alterações cognitivas, comportamentais e
sociais destas pessoas. Desvendar estes mecanismos é essencial para desenhar
estratégias terapêuticas e reabilitativas, sempre que estas surjam como
necessárias.
Alterações genéticas associadas a distúrbios do
neurodesenvolvimento, como a deficiência intelectual, são frequentemente
encontradas em genes que codificam proteínas presentes na sinapse, a estrutura
de comunicação entre os neurónios no cérebro. Uma dessas proteínas é a
stargazina, que foi o objeto do estudo realizado no Centro de Neurociências e
Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC), com o objetivo de «perceber
o impacto que uma alteração no gene que codifica a stargazina pode ter na
comunicação e estrutura dos neurónios, assim como no comportamento animal»,
explica Ana Luísa Carvalho, líder do estudo e docente do Departamento de Ciências
da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
(FCTUC).
O trabalho, já publicado na revista Molecular
Psychiatry, teve como ponto de partida uma simulação computacional que
permitiu prever o impacto da alteração genética associada a deficiência
intelectual na estrutura e na dinâmica molecular da stargazina.
Utilizando neurónios de rato em cultura e murganhos
geneticamente modificados, em que foi introduzida a alteração genética humana
(animais knock-in), os autores do estudo verificaram que a variante
genética que leva à produção de uma stargazina modificada compromete a
transmissão de informação entre neurónios do hipocampo, uma região do cérebro
que, tanto em roedores como em humanos, é responsável pela formação de memória
e pela capacidade de aprendizagem. Os murganhos geneticamente modificados
apresentaram também dificuldades de memória e de aprendizagem, assim como um comportamento
social anormal.
«Estes resultados mostram que uma alteração no gene
codificante da proteína stargazina é causadora de alterações nas funções
cognitivas, semelhantes às que se observam em pessoas com deficiência
intelectual, e causadora de alterações na transmissão de informação entre
neurónios do hipocampo, assim como na plasticidade dessa transmissão», afirma
Ana Luísa Carvalho.
Este estudo «permitiu-nos também perceber a função da
proteína stargazina na comunicação neuronal numa sub-região específica do
hipocampo. É um estudo com uma dupla contribuição para a compreensão do
funcionamento da comunicação sináptica e para a identificação de mecanismos
biológicos associados a deficiência intelectual», conclui.
Este trabalho, que foi conduzido pelas investigadoras do CNC
Gladys Caldeira e Ângela Inácio, resulta de uma colaboração entre o grupo de
investigação liderado por Ana Luísa Carvalho e os grupos liderados por Irina
Moreira e João Peça, também investigadores do CNC e docentes do DCV da FCTUC. O
estudo foi financiado pela Fundação Brain
and Behavior Research (EUA), pela Fundação Jérôme
Lejeune (França), pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) e pela Fundação La
Caixa.
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